quarta-feira, 7 de maio de 2008

UM HOMEM SÓ

Chamava-se não importa como. Era um homem já entrado na meia idade, onde no alto do seu quase metro e oitenta começavam a aparecer os brancos que irrompiam imponentemente por entre os seus cabelos até aqui negros como carvão.
Nasceu e sempre viveu na terra a que se habituou a chamar sua. Ao longo dos anos foi assistindo às transformações do tempo nas casas, nas ruas, nas pessoas, nos hábitos e costumes, no modo de viver o dia a dia outrora calmo e agora com um ritmo de como se o mundo fosse acabar já hoje.
Era conhecido de quase toda a gente da terra e talvez por isso se sentisse tão protegido ali, no seu canto, na sombra das suas casas, vendo sempre a silhueta majestosa do castelo no alto do monte maior.
Das poucas vezes que se afastou da terra sentiu-se vazio, perdido, com uma força invisível que lhe apertava o coração e que crescia a cada dia de ausência, um sentimento de impotência, de sonhar voltar, saudade.
Esse fogo só se apagava quando ao passar no alto da Courela do Guita avistava a imagem da terra ao longe, estendida desde a encosta do castelo até aos montes dos dois santuários opostos. Era como se visse o paraíso, sentia um calor morno sossegar-lhe a alma, estava outra vez completo.
Mas a sua vida foi-se também ela transformando. Dos tempos de infância e juventude ficaram as memórias que a pouco e pouco parecem querer diluir-se na irrealidade dos anos que se perderam do sentido da própria vida.
O homem sentia-se cada vez mais só.
A solidão pode ser sentida a quase tacteada como uma densa neblina que se desenvolve e consome tudo à sua volta.
O homem sentia-se só, profundamente só. Mesmo andando no meio das outras pessoas, mesmo falando com os amigos, sentia-se só.
Essa sensação foi crescendo no seu imaginário, como se de uma praga se tratasse. Sentia a dor da desilusão avançar pelo seu corpo e já não queria lutar contra isso. Não podia desabafar porque simplesmente não sentia as pessoas. Escondia-se em pequenos nichos da sua vida passada sabendo que o tempo não pode voltar atrás, que não se pode reviver a felicidade da infância. Sentia-se só e já não se importava.
O homem sabia que não se pode viver só, sem o calor da família e dos amigos, mas também isso quase deixou de o incomodar. Foi-se entregando à sua solidão, abstraindo-se do seu próprio mundo que sentia já não resultar como realidade aceitável. Os projectos que sonhara caiam como castelos de cartas e ele já não estendia os braços para o impedir. Olhava em redor e não reconhecia a sua própria vida. Sentia-se cada vez mais só, empurrado para um túnel em que via a saída, escuro, frio, tenebrosamente silencioso. Sabia que no fim do túnel havia um poço sem água, sem fundo, sem vida. Sabia que era uma escolha sua, vaguear pelo túnel escuro ou saltar no poço sem água. Por vezes pensava que poderia atingir o fim do poço e espreitava para o seu interior. Sentia-se só. Sentia-se vazio, sem alma e sem força. Sentia o túnel cada vez mais estreito e espreitava.
Por fim sentou-se na beira do poço sem água e gritou.
Estranhamente já não ouviu o eco do seu próprio grito.

Sem comentários: