terça-feira, 8 de abril de 2008

A MENINA DOS OLHOS GRANDES

Era uma vez uma menina, nascida na terra do sol e do trigo, num Abril longínquo de outro tempo.
A menina, de olhos grandes e brilhantes, que dizem herdou de um seu padrinho, levou uma infância normal como todas as meninas e meninos do seu tempo.
Brincou e riu e viveu o seu conto de fadas até que um dia, nos seus precoces cinco anos, perdeu o seu maior tesouro. Disseram que foi por vontade de Deus e que Ele tem os seus mistérios, mas, para a menina era de todo incompreensível que fosse vontade d'Ele que ela ficasse sem a sua mãe, como que sozinha num mundo ainda por conhecer.
A vida da menina dos olhos grandes mudou, o seu conto de fadas acabou, viu-se assim muito cedo no mundo real, como se de repente o cenário da sua peça tivesse ruído e ficasse a visão nua e crua da realidade.
Seguiram-se anos e anos de muita solidão, vivendo em casas que muitas vezes não sentia suas.
O pai, que nunca o soube ser, quase desapareceu da sua vida por várias vezes. Primeiro para outra mulher, depois, para o vinho e as várias tabernas da terra. Dele nunca sentiu o carinho e a protecção afectuosa da figura paterna.
Os anos foram passando e a menina foi-se tornando jovem mulher, bela, com os seus olhos grandes à procura do mundo que sonhava para si.
A vida soube-lhe sempre ser madrasta, mas, por vezes o sonho sobrepunha-se à realidade, e em breves escapadelas de alguns dias para casa de uns tios de outras terras, sentia o calor morno de um lar. Eram dias em que vivia uma outra vida, de carinhos que perdera, de cumplicidades, de se sentir amada, de desejar não mais regressar para o inverno da sua realidade.
Nos anos de juventude teve a companhia da avó, também ela com problemas de alcoolismo.
Sempre sentiu medo. Medo da vida, medo do pai que a maltratava quando bebia, medo do que o futuro lhe destinava.
Já mulher conheceu um homem, e sem se aperceber, a pouco e pouco o seu mundo foi-se começando a transformar.
Não teve um dia de casamento normal. Mais uma vez o pai não soube responder ao momento que deveria ser de plena alegria. Foi acompanhada ao altar por um tio e finalmente disse o "sim".
Num dia de um mês de Março nasceu-lhe o filho, num outro dia de um outro Março a filha. Os seus dois sonhos. Realizações supremas de uma sua nova vida.
Mas entre os dois a sorte ainda lhe tentou fugir quando os médicos lhe diagnosticaram uma doença degenerativa nas articulações. Ela já não deixou. A pouco e pouco tinha adquirido a coragem dos heróis, e decidiu ganhar a sua vida.
Mesmo com a sua incapacidade puderam ver a sua coragem no dia a dia de se realizar como profissional, como mulher, como mãe.
Ao fim de muitos anos, nos olhos grandes da mulher, ainda se percebe alguma tristeza.
Talvez não se aperceba que para o homem e para os filhos, ela é um mundo, tão perfeito e desejado como um sonho colorido.
Talvez os filhos, como muitos filhos, não lhe digam muitas vezes como para eles é ela a mais perfeita, a mais bonita, a melhor das melhores mães do mundo.
Talvez o homem, como muitos homens, não lhe consiga transmitir toda a força do amor, carinho e amizade. Talvez o homem, como muitos homens, não lhe diga muitas vezes "amo-te".
Quando souber tudo isso, aos olhos grandes a mulher, talvez volte o brilho e a alegria que à muitos anos fugiu dos olhos grandes da menina que nasceu na terra do sol e do trigo.

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